30 de mai. de 2012

ANCESTRALIDADE AFRICANA: FÉ, SONS, CORES, SABORES E DESAFIOS.

O professor Marcos José Diniz Silva, dá entrevista em reportagem sobre Ancestralidade Africana: fé, sons, cores, sabores e desafios para Agência Boa Notícia, que foi publicada sexta-feira, 25 de maio de 2012.

Para conhecer mais a agência Boa Notícia acesse: http://www.boanoticia.org.br/noticias_detalhes.asp?Cod=4096

Ancestralidade africana: fé, sons, cores, sabores e desafios

Contabilizando, são mais de 500 anos de culpas e muito poucos de desculpas. Assim, pode ser compreendida a relação da sociedade brasileira com a narrativa da presença africana no solo nacional. Da dominação agressiva e escancarada, a história do negro, hoje, é enviesada, pautada pelos movimentos de conscientização, luta contra o preconceito e “peleja” em prol de seus direitos constitucionais. É verdade que houve avanços, porém, sustentados por ações combativas e algumas políticas públicas. No entanto, vale ressaltar, que a opressão imposta ao negro no Brasil foi, provavelmente, a principal disseminadora da contribuição africana à nossa história.

Segundo a análise do historiador Marcos José Diniz Silva, Prof. Dr. do Curso de Historia da FECLESC-UECE (Campus Quixadá), é possível destacar o caráter de resistência da cultura dos povos africanos traficados para o Brasil na condição de cativos como resultado do processo de construção da sociedade brasileira pela mestiçagem dos elementos branco, índio e africano, consequência não planejada da colonização lusitana. “As manifestações culturais da matriz africana na musicalidade, na religiosidade, na culinária, na linguagem do povo brasileiro, demonstram a força e a criatividade do povo negro apesar de desterritorializado, desocializado e despersonalizado continuamente”, explica.

As tradições africanas influenciaram em muito o comportamento da sociedade atual, acredita o jornalista Bruno de Castro. Do comer ao vestir. Do falar ao relacionar-se. E não apenas da população negra. “A riqueza de manifestações culturais e cores, por exemplo, refletiram em rotinas da América Latina e Europa. Muito da moda de hoje tem referência às cores fortes usadas pelas negras escravas em danças nos terreiros das senzalas de séculos atrás. Muito da fé (inclusive cristã) de agora vem da crença do negro em dias melhores; de liberdade. Muito da economia (inclusive ou principalmente) de países ricos é decorrente da exploração da mão-de-obra negra. Sem ela, nações inteiras teriam sucumbido”, exemplifica.

Exercício de afirmação
O censo do IBGE de 2010 sinaliza que a população negra e parda já pode ser considerada maioria no Brasil, representado por 96,7 milhões de pessoas – o equivalente a 50,7% da população, contra 91 milhões de brancos - 47,7%. Mesmo com avanços significativos e maior aceitação com a cor, para muitos, ser negro no país ainda é um exercício contínuo de afirmação, como destaca Bruno de Castro.

“Ser negro é um exercício diário de afirmação/negação da raça. E ambas as posturas são fruto da necessidade de essa população ter assegurados os seus direitos constitucionais/universais. Em alguns casos, só se consegue isso quando o negro impõe-se como tal e exige o acesso a serviços. Noutros, é preciso apresentar-se como não-negro (pardo, moreno etc). Ou isto ou a exclusão. Algo absurdo, mas perfeitamente compreensível. Afinal...qual o ganho positivo por tornar público a condição de negro? As ocorrências de preconceito, racismo, agressão e morte são constantes. Pior que isto somente a marginalização histórica a qual foi (e é) submetida a comunidade negra pelo poder público. Tida como inferior por séculos, a raça acabou subjugada às favelas, à falta de oportunidades, ao obscurantismo”, pondera o jornalista.

Ainda assim, reflete Castro, não se pode negar avanços nos últimos anos. “Contudo, mais de 500 anos de exclusão não são abrandados da noite para o dia. Pensar assim é ser ingênuo. A política de cotas, a criação da Unilab e a própria instituição do racismo como crime são conquistas importantes. Acredito, no entanto, ser interessante o cumprimento de outras, hoje ignoradas. Exemplo: a disciplina que trata da cultura africana no currículo escolar. É lei e deveria ser cumprida. Deveria. Colocar o negro como fundamental para a sociedade (assim como qualquer outro integrante dela) desde a primeira infância (de zero a seis anos), é preocupar-se com a redução das estatísticas de preconceito. E isto pode ser iniciado na escola, com professores melhores capacitados e gestores mais conscientes de que não é a quantidade de melanina no corpo que mede a capacidade do indivíduo de modificar (para melhor, sempre) o ambiente onde vive. Eu, enquanto negro, tento isto. Muitos outros por aí não têm essa oportunidade por serem, diariamente, colocados à margem da sociedade. Da vida. São vistos como escória, quando têm tanto a acrescentar. Como todo ser humano”, comenta.

Abolição x Marginalização
A abolição que, em teoria, deveria ter sanado a chaga da escravidão ajudou a perpetuar a marginalização do negro dentro da sociedade brasileira. Segundo o historiador, a escravidão era uma mancha numa sociedade que pretendia ser moderna e “europeizada”. O Ceará foi pioneiro nos ideais abolicionistas. No entanto, como esclarece Diniz, “a região com poucos escravos e sem atividade econômica fundamentalmente neles sustentada, só comprovava o caráter mais cívico, filantrópico e político do limitado projeto abolicionista brasileiro”.

“De fato, a abolição da escravidão no Brasil constituiu-se em momento significativo de mobilização da sociedade civil, com sinceros e honestos propagandistas, porém sem projeto futuro para os libertos. A libertação foi incompleta, pois jogou os negros no mundo dos brancos na condição de mendigos, pedintes, subempregados ou semi-escravos”, explica o historiador.

Para o futuro, é importante considerar os dados mais atuais do IBGE, onde a população negra já se sobressai para se pensar em políticas públicas, com objetivo de corrigir a exclusão social e econômica dessa população. “Como as estatísticas demonstram, que a população afrodescendente já ultrapassa a metade do povo brasileiro, e que significativa parcela se encontra entre as camadas socioeconômicas mais baixas, acredito que políticas públicas eficientes de saúde e educação, no curto e médio prazo poderão corrigir o acentuado grau de exclusão dessa parcela da população, de modo mais eficiente e equitativo que as políticas públicas racialistas de inclusão”, argumenta o historiador Marcos José Diniz Silva.

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