1 de jan. de 2009

Uma burra

A seguir um conto enviado por um aluno da FECLESC.
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Uma burra

--Apressa Mané Cipriano, que eu quero chegar cedo nas Cajazeiras. Os burros já estão cansados e daqui pra frente só tem água no açude do seu Novin.
Falou Vicente ao companheiro de viagem que tinha parado para mijar. Os dois primos estão indo vender um saco de milho a um conhecido e buscar tamarindo no povoado das Cajazeiras, que apesar do nome, tem mais tamarindo que cajá. Parece coisa de criança, mas é coisa séria, pois já se vão quase dois dias de viagem por entre os garranchos da mata falsamente morta. As tamarindos são por conta da seca, e servirá de complemento alimentar, ao natural ou em forma de chá, para as famílias deles. Tamarindo é bom pra isso, engana a fome e dá em abundância em quase todo lugar, com ou sem água.
Já fizeram esse caminho muitas vezes, para deixar gado, vender, comprar e trocar alguns sacos de feijão e milho, procurar serviço. Cipriano já havia morado ali um tempo, foi meeiro nas terras do prefeito, e dependendo do inverno, sempre volta pra por uma roça. Eles conhecem bem aquela região, são vaqueiros os dois e trabalham assim no meio do mundo, conhecem todo mundo e tudo no mundo. Eles têm pousada certa em quase toda casa, e se orgulham disso.
No caminho alongado pela distância entre as moradias, muitas delas abandonadas por causa da seca, havia uma casinha de taipa, que dava sinais de moradores. Estava em um lugar isolado, sendo que para trás dava meia légua de distância até a próxima casa habitada e uma légua a frente para chegar ao destino da viagem. De longe se avistava fumaça vindo dela, e no mesmo céu um bando de urubus voavam em círculos, bem acima da casa, cena comum, principalmente em épocas de seca, onde morrem muitos animais. Vicente estava com sede a um bom tempo e falou ao primo que ia pedir um pouco d'água naquela casa, pois não sabiam se encontraria gente nas casas a frente. Vinham encostando devagar, com seus burros,  e observando. Na frente da casa havia um grande pé de siriguela, com poucas folhas, mas ainda assim frondoso, e debaixo dele um homem baixo, magro, de meia idade, tinha barba escura, pele vermelha e enrugada do sol, cabelos pretos e finos, banhados em suor. Estava amolando um machado e uma faca pequena numa pedra gasta encravada no pé de siriguela, ao lado de um pilão quebrado e de algum entulho. Na casa via-se que tinha alguém, mas não se distinguia bem naquela distância.
Deram boa tarde, pediram para descansar um pouco na sombra da siriguela e por um copo de água, o homem atendeu, apesar da rudeza que aparentava. Gritou alto pela filha, Maria, pedindo que trouxesse água para os homens. Vicente falou do tempo, da sua viagem e perguntou sobre a família, o homem se assustou com a pergunta, parou um pouco e respondeu que não tinha mais família. Eles estranharam, pois o homem havia chamado por uma filha. Ela demorou um pouco para chegar com a água, vinha com os olhos inchados, como quem chorou por dias. Era uma moça bonita, devia ter seus dezesseis anos, tinha  cabelos bonitos, porém maltratados pela vida no sertão. Estava bem magra e com cara de fome. Usava um vestidinho simples com estampas florais, rasgado e sujo de carvão, andava descalça e aparentava medo. Ela olhava para o chão, e o pai inspecionava preocupado cada gesto da filha, e olhava severo para ela como quem promete um castigo, ela mal olhou para os homens enquanto lhes servia a água. A moça voltou para dentro de casa, sob ordem do pai, mas prestando atenção à conversa até onde pode ouvir. O homem então contou que fora morador da família do prefeito a sua vida toda, mas depois de despejado, estava sem trabalho, e que a seca e a fome haviam devorado tudo o que era seu inclusive a família. Contou também que não tinha mais nenhuma criação, porco ou galinha para comer, que a meses nem preá encontrava naqueles garranchos de mata, e  os legumes colhidos no inverno passado também já tinham acabado. Vicente e Cipriano estranharam mais ainda, pois com certeza o homem estava se preparando para matar algum animal, amolara o machado e a faca de destrinchar, tinha cordas e vasilhas para o sangue, tudo preparado embaixo do pé de siriguela, mesmo assim contiveram a curiosidade. Vicente então começou a falar da burra em que andava, da idade, do porte do animal, de como era bem cuidada, falou que ele mesmo a havia amansado. O homem pareceu interessado no animal, mas não esboçou proposta. Foi então que Vicente se levantou, foi até homem e propôs o negócio. A burra em troca da filha. Cipriano deu um pulo de susto, achava que Vicente era louco, que o homem ia se ofender com a proposta, e que aquela estória podia acabar em briga, que com certeza ia acabar em briga. Mas o homem apenas abaixou a cabeça e estendeu a mão para fechar o negócio.
Gritou novamente pela filha, e sem explicar nada lhe disse para ir com eles. Não parecia nem triste nem feliz ao entregar a filha, agora parecia mais interessado no animal, que já recolhia para debaixo da árvore. Maria se mantinha calma e não questionou nada ao pai, mesmo estando agora nas mãos de dois estranhos.
Seguiram os três em busca das cajazeiras, a moça na garupa do burro com Cipriano guiando e Vicente a pé. Cipriano tirou do bornó uns maracujás do mato que havia recolhido no caminho e deu a Maria, que se fartou, como se não comesse a dias. Maria era calada, e os rapazes não puxaram muita conversa. Já nas Cajazeiras recolheram os tamarindos, venderam o saco de milho que traziam ao seu Zé Augusto e pernoitaram por lá, saindo cedinho no outro dia. Ao passarem de volta pela casa de Maria, se assustaram com o que viram: O couro da burra estava esticado secando ao sol junto a algumas peças de carne do animal. O homem havia matado a burra para comer e preparava a carne para que durasse muitos dias.
Maria chorou, tirou os olhos da casa do pai e pôs na estrada de terra, falando:
-Se não fosse por vocês, era o meu couro que estaria lá curtindo no sol.
Foi então que Mané Cipriano entendeu o que Vicente já sabia desde a conversa naquela tarde: o homem matara a família, e a filha seria a próxima, se Vicente não tivesse interferido.
A moça foi morar com a família de Vicente. Jamais voltou a ver o pai, nem soube que fim levou. Alguns anos mais tarde ela casou-se com um irmão de Vicente e formaram família numerosa, e os seus filhos fizeram fortuna no sertão, fortuna que durou por muitas gerações como essa história.

Lindolfo

6 comentários:

  1. Que melancólico!
    Antropofagia!
    Sócomeno sou eu...

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  2. Q ridiculo,
    que tal 3 burras 10 mil burras
    kkkkkkkkkk

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  3. Fazer e ler literatura? Só se for para transcender a materialidade de nossa vidinha banal!!!

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  4. Marcodes eu não entendi
    você gostou ou não?

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  5. Olha luisa...Se para você não ficou claro, NÃO GOSTEI!!!Está satisfeita? se quiser implicar comigo, meu e-mail é: marcondeshistoria@hotmail.com

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